O preço da velhice
Há um livro que anda por aí e do qual muito se fala, mas essencialmente sobre a problemática do petróleo e do aquecimento global. Mas a verdade é que também passa uma importante mensagem sobre a velhice, e sobre o preço que ela traz consigo. O livro de que falo é o Sétimo Selo de José Rodrigues dos Santos. E porque tu disseste que te tinha feito pensar, lembrei-me de este excerto do livro:
«"É um facto que morremos muito mais tarde, sim senhor. Mas isso tem um preço, sabe?"
"Qual?"
A directora fez um gesto largo que abarcou toda a sala de jantar (num lar de idosos).
"Este. Prolongamos a vida e, a partir de um certo limite, começamos a vegetar." Voltou-se para Tomás. "Imagine-se a si com a idade desta gente. Não consegue andar, baralha as coisas, não pode cuidar de si próprio nem para as coisas mais elementares. Põem-lhe uma fralda, limpam-lhe o rabo, dão-lhe a sopa à boca, passa o tempo sentado ou deitado a ver o dia passar. Que sentido tem dizer-se que aumentou a sua esperança de vida? De que vida estamos exactamente a falar? Da vida das fraldas, do babete, do rabo que nos limpam?"
"Bem, essa é uma maneira um pouco crua de ver as coisas..."
"Acha que sim? Olhe, há pessoas que dizem: «Vai para o lar? Que horror!» Mas não percebem que o horror não é o lar. O lar é a solução que encontramos para enfrentar o verdadeiro horror, o problema do envelhecimento até ao limite. Adiamos o horror da morte para conhecer o horror da velhice extrema. É o horror da degradação, do definhar indigno, da submissão à humilhação."
"As pessoas sentem-se humilhadas no seu lar?"
"Não, não é o meu lar que humilha as pessoas. Pelo contrário, nós tentamos dar o melhor para que elas se sintam bem. O que é verdadeiramente humilhante é aquilo a que as pessoas têm de se submeter para poderem viver mais anos. São as suas limitações e a sua degradação. É a sua velhice."
"A velhice é humilhante?"
"Não a velhice em si, mas o facto de perdermos faculdades e ficarmos inteiramente à mercê dos outros, está a perceber?" Fez um gesto com a cabeça para os idosos sentados em silêncio à mesa. "O que acha o senhor que é a velhice extrema? Imagine-se a si, um homem seguro, bem-parecido, independente, que sempre soube cuidar das suas coisas. Imagine que de repente deixa de conseguir andar e que por isso não pode ir de meia em meia hora ao quarto de banho. O que lhe acontece?"
"Alguém me leva ao quarto de banho, suponho."
"Oiça, um empregado é capaz de lhe fazer isso uma, duas, três vezes, não digo que não. Mas, se pedir ao empregado que lhe faça isso vinte vezes por dia, todos os dias, semana após semana, mês após mês, e houver mais dez velhos a pedirem a mesma coisa e o empregado cheio de tarefas para executar em pouco tempo, sabe o que acontece, sabe? Põem-lhe uma fralda. E ali está você, que ao longo de toda a sua vida foi dono de si, sentado no sofá a urinar para as fraldas. E isto para o resto da sua vida, sem perspectivas de regressar à autonomia anterior. Como é que se sentirá quando isso acontecer?"
"Uh... bem..."
"Humilhado. Sentir-se-á humilhado. E quando tiver de defecar, o que vai fazer? Irá defecar nas fraldas. Depois virá o empregado tirar-lhe as fraldas e limpar-lhe o rabo. Como se sentirá você? Humilhado. E quando já nem conseguir segurar bem na colher, porque a mão lhe treme toda e você, por mais que tente, não a consegue controlar? Põem-lhe um babete no peito e dão-lhe a sopa à boca. E você, que durante toda a vida foi senhor de si, homem independente, um ser humano autónomo, orgulhoso, como se sente?"
"Humilhado", assentiu ele, baixando a cabeça.
Maria Flor mirou a mesa onde decorria o almoço silencioso.
"É assim que eles se sentem."»
José Rodrigues dos Santos, in Sétimo Selo.
Catarina
«"É um facto que morremos muito mais tarde, sim senhor. Mas isso tem um preço, sabe?"
"Qual?"
A directora fez um gesto largo que abarcou toda a sala de jantar (num lar de idosos).
"Este. Prolongamos a vida e, a partir de um certo limite, começamos a vegetar." Voltou-se para Tomás. "Imagine-se a si com a idade desta gente. Não consegue andar, baralha as coisas, não pode cuidar de si próprio nem para as coisas mais elementares. Põem-lhe uma fralda, limpam-lhe o rabo, dão-lhe a sopa à boca, passa o tempo sentado ou deitado a ver o dia passar. Que sentido tem dizer-se que aumentou a sua esperança de vida? De que vida estamos exactamente a falar? Da vida das fraldas, do babete, do rabo que nos limpam?"
"Bem, essa é uma maneira um pouco crua de ver as coisas..."
"Acha que sim? Olhe, há pessoas que dizem: «Vai para o lar? Que horror!» Mas não percebem que o horror não é o lar. O lar é a solução que encontramos para enfrentar o verdadeiro horror, o problema do envelhecimento até ao limite. Adiamos o horror da morte para conhecer o horror da velhice extrema. É o horror da degradação, do definhar indigno, da submissão à humilhação."
"As pessoas sentem-se humilhadas no seu lar?"
"Não, não é o meu lar que humilha as pessoas. Pelo contrário, nós tentamos dar o melhor para que elas se sintam bem. O que é verdadeiramente humilhante é aquilo a que as pessoas têm de se submeter para poderem viver mais anos. São as suas limitações e a sua degradação. É a sua velhice."
"A velhice é humilhante?"
"Não a velhice em si, mas o facto de perdermos faculdades e ficarmos inteiramente à mercê dos outros, está a perceber?" Fez um gesto com a cabeça para os idosos sentados em silêncio à mesa. "O que acha o senhor que é a velhice extrema? Imagine-se a si, um homem seguro, bem-parecido, independente, que sempre soube cuidar das suas coisas. Imagine que de repente deixa de conseguir andar e que por isso não pode ir de meia em meia hora ao quarto de banho. O que lhe acontece?"
"Alguém me leva ao quarto de banho, suponho."
"Oiça, um empregado é capaz de lhe fazer isso uma, duas, três vezes, não digo que não. Mas, se pedir ao empregado que lhe faça isso vinte vezes por dia, todos os dias, semana após semana, mês após mês, e houver mais dez velhos a pedirem a mesma coisa e o empregado cheio de tarefas para executar em pouco tempo, sabe o que acontece, sabe? Põem-lhe uma fralda. E ali está você, que ao longo de toda a sua vida foi dono de si, sentado no sofá a urinar para as fraldas. E isto para o resto da sua vida, sem perspectivas de regressar à autonomia anterior. Como é que se sentirá quando isso acontecer?"
"Uh... bem..."
"Humilhado. Sentir-se-á humilhado. E quando tiver de defecar, o que vai fazer? Irá defecar nas fraldas. Depois virá o empregado tirar-lhe as fraldas e limpar-lhe o rabo. Como se sentirá você? Humilhado. E quando já nem conseguir segurar bem na colher, porque a mão lhe treme toda e você, por mais que tente, não a consegue controlar? Põem-lhe um babete no peito e dão-lhe a sopa à boca. E você, que durante toda a vida foi senhor de si, homem independente, um ser humano autónomo, orgulhoso, como se sente?"
"Humilhado", assentiu ele, baixando a cabeça.
Maria Flor mirou a mesa onde decorria o almoço silencioso.
"É assim que eles se sentem."»
José Rodrigues dos Santos, in Sétimo Selo.
Catarina
Etiquetas: pensamentos
1 comments:
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