terça-feira, julho 07, 2009

Leitão da Bairrada... da Mealhada em Wall Street


'A maioria das cidades portuguesas são embelezadas com monumentos honrando heróis locais. A Mealhada é um pouco diferente. Não há bustos de navegores em pedra ou de poetas em bronze a saudar os visitantes. Em vez disso, tem um monólito de três metros de altura encimado com um leitão em pedra de cal, o seu focinho apontado em direcção aos céus numa expressão de orgulho na mestria dos seus habitantes na arte da cozinha suína.
A Mealhada é a capital do leitão em Portugal.
A cidade de 5000 habitantes é célebre por toda a região por servir leitões assados no espeto, com pele estaladiça e um pouco picante, a milhares de visitantes que chegam aqui em multidões para se lambuzarem com pratadas desta delícia adorada e conhecida como Leitão da Bairrada.
"Em dias mais movimentados, temos alguns restaurantes a servir 800 leitões", diz António Duque, fundador e presidente da Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada.
"Não há outra iguaria gastronómica em Portugal que seja consumida em quantidades tão grandes", diz entre garfadas de carne tenra rosada. "Sabe quantos leitões se comem na Bairrada por dia? Eu digo-lhe: 3000. São 15 toneladas por dia."
Algumas definições: Leitão é uma palavra portuguesa para porco em fase de amamentação - um porco pequeno nas primeiras semanas de vida que ainda se alimenta do leite da mãe; leitões são o plural. A Bairrada é uma região no centro de Portugal, famosa pelos seus vinhos e leitões. Está situada entre a antiga cidade universitária de Coimbra e os horizontes aguados da Ria de Aveiro, uma das maiores redes hidrográficas de água salgada da Europa Ocidental. A este, é limitada pela luxuriosa Serra do Buçaco e a oeste, por uma linha contínua de praias do Atlântico. O leitão da Bairrada é um pesadelo para os vegetarianos que inclui pequenos porcos em molho de alho e pimenta, a assar lentamente num forno de lenha para se obter a mistura correcta de uma crosta dourada estaladiça e uma carne tenra e saborosa.
Os porcos são criados e consumidos por todo o Portugal, desde os porcos pretos semi-selvagens criados com bolotas nos campos de cortiça e carvalhos a sul no Alentejo, até aos porcos domésticos cujo sangue e entranhas são utilizados na confecção de especialidades do norte como papas de sarabulho. A forma como a Bairrada se especializou na versão mini do bicho é matéria de alguma especulação. O Sr. Duque diz que a origem está relacionada com a industria do vinho da região, uma vez que as estacas das videiras foram sempre usadas para acender os fornos de tijolos nos quais são assados os leitões. Alguns dizem que os porcos locais prosperaram com as bolotas e castanhas caídas na floresta do Buçaco, dando um sabor particular à sua descendência. Um livro de culinária do século XVIII, encontrado num convento local, dá uma receita surpreendentemente parecida à mistura de alho, banha e pimenta preta que é usada para condimentar hoje os leitões.
O negócio do leitão intensificou-se no início dos século XX, quando hotéis elegantes abriram nas vilas termais da Bairrada, Luso e Curia, atraindo a clientela das grandes cidades que foram rapidamente seduzidas pela delícia local. A era do motor veio trazer a autoestrada entre Lisboa e Porto ao longo da Bairrada e parar para saborear o porco assado da Mealhada tornou-se obrigatório para os condutores a viajar entre a capital e a segunda cidade do país.
Para satisfazer a procura, um cordão de 30 restaurantes surgiram lado a lado ao longo de vários quilómetros da EN1 que atravessa a cidade. Muitos cresceram a uma escala industrial com grandes parques de estacionamento, fornos para 30 leitões e capacidade para servir centenas de clientes esfomeados por uma travessa de leitão suculento, normalmente servido com rodelas de laranja, salada, batatas fritas e uma garrafa fresca do vinho tinto famoso da região, espumante tinto da bairrada.
Ninguém espera lugares chiques. Estes restaurantes são grantes, lugares vivos mais indicados para almoços animados de família do que para jantares tête-à-tête.
Todos os locais têm os seus favoritos. Pedro dos Leitões, criado por Álvaro Pedro em 1949, é o mais antigo e melhor conhecido, com espaço para 430 clientes. O seu vizinho e concorrente, A Meta dos Leitões, tem capacidades semelhantes e vangloria-se das suas próprias vinhas. A Churrasqueira Rocha é iluminada por um sinal néon mostrando um leitão feliz rolando sobre uma travessa de batatas fritas e salada. Depois há o Picnic, Azevedo dos Leitões, Floresta dos Leitões, Basílio dos Leitões e por aí fora. Nicholas Lander, um escritor britânico de gastronomia, desistiu de fazer a sua escolha, e incluiu toda a cidade na sua lista dos melhores 25 restaurantes do mundo.
Os snobs do leitão podem, no entanto, preferir afastar-se das grandes farras da Mealhada e percorrer as estradas secundárias da Bairrada em busca de um encontro mais íntimo com o leitão, em lugares como o Mugasa em Sangalhos, ou o Manuel Júlio no Barcouço. Uma das mais conhecidas é a Casa Vidal, um lugar discreto com espaço para apenas 120 pessoas na vila de Aguada de Cima. Por trás das suas salas de jantar decoradas com os típicos painéis de azulejos portugueses, o processo de preparar o leitão é mostrado.
No meio duma divisão de branco imaculado estão dois compartimentos espaçosos, um deles contendo cerca de duas dúzias de pequenos porcos guinchões, todos eles fazendo lembrar a estrela do filme "Um Porquinho Chamado Babe". O Portugal rural não tem, no entanto, lugar para sentimentalismos por animais de quinta e um assistente de cozinha frisa que o grupo mais pequeno no compartimento vizinho é o almoço do dia seguinte. O ideal de um leitão está entre as 4 e as 6 semanas de idade quando vai ao forno e pesa entre os 7 e os 8 kg.
A grande rival da Mealhada pelo título de capital do leitão da Europa é a cidade espanhola de Segovia, mas há diferenças chave na confecção. Os Castelhanos preferem os seus porcos ainda mais novos, com apenas duas semanas de vida e a pesar cerca de 4,5 kg. Em vez de os assar num espeto, os porcos espanhois são abertos de alto a baixo, como se fazem com os frangos, e assados em pratos de cerâmica. Ao contrário dos seus vizinhos, os portugueses preferem tirar os leitões da teta das mães três dias antes do abate para retirar o gosto a leite. Escusado será dizer que a rivalidade ibérica é intensa.
"Os espanhois que aqui chegam têm um problema, pois eles entram a defender o seu próprio produto, mas quando saem não sabem o que dizer", diz o Sr. Duque com orgulho.
Entre a poçilga e as salas de jantar, existe uma série de câmaras antisépticas onde a sujidade é removida. Os leitões são trazidos um a um para o matadouro e são imobilizados por choque eléctrico antes do coup-de-grâce. Há pouco desperdício neste processo; o sangue é usado, assim como o coração, pulmões e fígado, para fazer um ensopado com vinho tinto e cebolas, tradicionalmente assados no forno com o leitão. Depois dos pêlos e entranhas serem removidos, o animal é condimentado com uma pasta feita de uma medida certa de alho, pimenta, sal e banha, à qual alguns cozinheiros juntam azeite, salsa ou folhas de louro. Depois do molho, o leitão é impalado numa estaca de aço inóxidável, de dois metros e meio de comprimento, e manobrado num forno de lenha durante cerca de duas horas.
"É uma arte", diz o proprietário de restaurante José Vidal. "O timing é crítico e varia dependendo da raça, do tamanho e da quantidade de gordura que o porco tem. Se errar, fica seco e arruinado."
Na Bairrada, o porco assado é normalmente trabalho para um homem com braços musculados. Conhecidos por assadores, eles estão gravados de forma heróica em painéis de azulejos em restaurantes por toda a região.
"Hoje em dia as pessoas gostam de falar de chefs de restaurantes chiques", diz o Sr. Duque com ar de gozo. "Um chef é um tipo que vive em mundos de ar condicionado, com os ingredientes preparados de antemão para ele. Um assador é um homem que se levanta às seis da manhã, mata os leitões, percorre todo o processo da preparação e faz a parte que lhe compete de assar os leitões."
O Sr.Duque diz ainda que é um trabalho que requer tanto de cérebro como de músculos. O tamanho do leitão, a raça, o tipo de lenha usado no forno podem alterar a forma como o bicho é cozinhado. Duque fundou a confraria em 1995 para proteger o leitão de tentativas de se fazer dinheiro fácil não respeitando a qualidade do produto. Os membros vestem-se com túnicas laranja, debroadas a preto e bordados com um leitão estilizado ,aquando as suas celebrações. Não são, no entanto, populares em todos os restaurantes.
"Eles não gostam de nós porque defendemos um produto tradicional. Nós não apoiamos a opção comercial. Queremos o produto o mais tradicional possível."
Isto significa que eles preferem os seus leitões com origem na raça local bísaro, que é difícil para os assadores pois o seu baixo nível de gordura requer atenção extra por forma a evitar que sece no forno. Enquanto que a maioria dos leitões serve o leitão com batatas fritas, a confraria quer apenas batatas cozidas.
"Quer misturar uma gordura com outra? Não faz sentido", insiste o Sr. Duque, apontando com desprezo a panela de batatas a fritar nas cozinhas da Casa Vidal. "Estamos a comer gordura natural, porque haveria de querer misturá-la com aquilo?"
De acordo com os tempos modernos, reconhece, no que diz respeito à higiene e tempo, que os leitões são assados em estacas de metal em vez dos tradicionais ramos de loureiro e que o tempero é feito em batedeiras electricas em vez de serem lentamente moídas com o almofariz e pilão. A sua escolha de acompanhamento é uma garrafa de vinho branco espumante local, espumante da Bairrada.
O leitão deve ser cortado em bocados o mais pequenos possível para assegurar que os consumidores obtêm uma boa mistura de carne das patas, costelas e pescoço. Melhor ainda, se houverem clientes em número suficiente à mesa, o bicho deve ser trazido inteiro do focinho à cauda numa travessa de porcelana, tal como antigamente quando era cerimonialmente esquartejado com a borda de um prato para mostrar que o leitão tinha sido cozinhado na perfeição, recorda o Sr. Duque com deleite.
"Este é um produto nobre. O leitão precisa de ser tratado com carinho, tratado com respeito."'
Traduzido do Wall Street Journal, artigo de Paul Ames, fotografia de Gerard Hancock

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1 comments:

Blogger Gambuzina said...

Bem... Isto até dá água na boca!!
O que é interessante é que seja uma tradução de um artigo americano...
Sem qualquer desprestígio para o Leitão da Mealhada, o Leitão de Negrais também é bastante bom! Mas o tempero e a consistência da pele são diferentes.
Com batata, frita, cozida ou assada, ou só com uma saladinha, o que importa é que seja leitãozinho bom e bem assadinho!!

8:50 da manhã  

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