O Artista da Morte - Daniel Silva
«Gabriel Allon foi em tempos um importante agente dos serviços secretos israelitas, mas agora só pensa em fugir do passado para viver uma vida tranquila como restaurador de arte. É no entanto chamado de volta às perigosas missões.
A agente com quem terá de trabalhar esconde-se por detrás da sua própria máscara de sedutora modelo. O alvo de ambos: um astuto terrorista numa última onde de matança, um palestiniano fanático de nome Tariq, que desempenhou um papel negro no passado de Gabriel. Aquilo que começa por ser uma caça ao homem torna-se um duelo que atravessa o globo e é alimentado pela intriga política e por intensas paixões pessoais. Num mundo onde o sigilo e a duplicidade são absolutas, a vingança é um luxo sem preço, e a maior das obras de arte.»
Apesar da desconfiança, só hoje confirmei que este autor tem descendência portuguesa, mais precisamente, açoreana. Mais umas sementes da genialidade portuguesa espalhadas pelo mundo fora ;) Este livro vem no seguimento de grandes sucessos como o Confessor ou a Mensageira, mas não na ordem em que foi escrito. Isto é, este livro tem no mínimo 8 anos, e foi escrito muito antes dos dois referidos e de outros livros já editados em Portugal. De modos que nos deparamos com uma ordem de acontecimentos que não faz qualquer sentido. Agora imaginem: este é o primeiro livro escrito da série de Allon, o livro que li a seguir foi o sétimo, e o livro que vou ler a seguir (saído hoje para as livrarias) é o número dois. Não podemos esquecer que entretanto temos quatro livros, com uma personagem cheia de história. No livro que li antes deste (A Mensageira) ele tinha uma mulher, e agora nem sequer a conhece. Acho que é o único contra que posso apontar, e que não é algo que esteja diretamente relacionado com o autor, mas sim com as editoras. Consigo ver que o Código Da Vinci, de Dan Brown, abriu muitas portas a outros livros do género (contriariadores da Igreja, instigadores do pensamento próprio), que estavam esquecidos nas prateleiras, o que acabou por ser o caso de O Confessor. Quando este finalmente viu a luz do dia em Portugal, o autor tornou-se conhecido o suficiente para tornar viável a edição dos seus outros livros. Só agora nos chegam livros escritos antes desse best-seller. É de dar voltas à cabeça.
Tanta coisa dita e nem sequer mencionei o tema central da série Allon, o conflito israelo-palestiniano. Não o pretendo fazer de forma crítica. Esta já é uma guerra que dura há muito tempo, e que muita gente nem sabe como ou quando começou. Pior, chegou ao ponto de quem faz a guerra, os próprios israelitas e palestinianos, não o saberem. Eu gosto do herói. Um pouco invulgar para heróis, mas talvez vulgar para espiões israelitas, não sei. Só sei que Daniel Silva nos transmite uma boa ideia de como será.
Aquilo que me ficou derrepente na cabeça foi a comparação que um palestiniano (não lhe vou chamar terrorista, mas é isso que ele é no livro) faz do Bairro Alto de Lisboa com Beirute nos velhos tempos.
"Um denso nevoeiro atlântico subia pelo rio Tejo à medida que Kemel ia avançando pelas ruas apinhadas do Bairro Alto. Fim de tarde, os trabalhadores a fluir para casa vindos dos empregos, os bares e os cafés a encherem-se, os Lisboetas a fazer fila aos balcões das cervejarias para jantar. Kemel (o palestiniano) atravessou uma pequena praça: velhos a beber vinho tinto no ar fresco da noite; varinas, as vendedeiras de peixe, a lavar percas do mar nos seus cestos grandes. Passou a custo por uma viela estreita cheia de vendedores de roupas baratas e bugigangas. Um mendigo cego pediu-lhe dinheiro. Kemel deixou-lhe cair uns quantos escudos (percebem quando digo que o livro é antigo?) na caiza de madeira preta à volta do pescoço. Uma cigana ofereceu-se para lhe ler a sina. Kemel recusou educadamente e continuou a andar. O Bairro Alto lembrava-lhe Beirute nos velhos tempos - Beirute e os campos de refugiados, pensou. Em comparação, Zurique parecia fria e estéril. Não era de admirar que Kemel gostasse tanto de Lisboa.
Entrou numa casa de fado apinhada e sentou-se. Um empregado colocou-lhe à frente uma garrafa verde de vinho da casa, juntamente com um copo. Acendeu um cigarro e serviu-se de um copo de vinho. Normal, nenhuma complexidade, mas surpreendentemente agradável.
Um momento depois, o mesmo empregado foi para a parte da frente da sala apertada e parou ao lado de um par de guitarristas. Quando os guitarristas tocaram com suavidade os primeiros acordes tristes da música, o empregado fechou os olhos e começou a cantar. Kemel não conseguia compreender as palavras, mas rapidamente deu por si a ser arrebatado pela melodia lancinante.
No meio da canção, um homem sentou-se ao lado de Kemel. Camisola de lã grossa, jaquetão manhoso, lenço apertado ao pescoço, barba por fazer. Parecia um trabalhador das docas vindo do cais. Inclinou-se para a frente e murmurou umas palavras a Kemel em português. Kemel encolheu os ombros.
- Receio que não fale a língua.
Voltou outra vez a atenção para o cantor. A música estava a chegar ao clímax emocional, mas, na tradição do fado, o cantor permaneceu direito como uma vareta, como se estivesse em sentido.
O trabalhador das docas tocou ao de leve no cotovelo de Kemel e falou-lhe em português uma segunda vez. Desta vez, Kemel limitou-se a abanar a cabeça e manteve os olhos no cantor.
Então, o trabalhador das docas inclinou-se para a frente e disse em árabe:
- Perguntei-te se gostavas ou não de fado.
Kemel voltou-se e olhou com atenção para o homem sentado ao seu lado.
Tariq disse:
- Vamos para um sítio qualquer mais sossegado onde possamos falar.
Caminharam do Bairro Alto até Alfama, um labirinto de vielas estreitas e degraus de pedra a serpentear por entre casas caiadas. (...)
Tariq disse:
- Não chegaste a responder à minha pergunta.
- E que pergunta foi essa?
- Gostas de fado?
- Suponho que seja algo de que se aprenda a gostar.
Sorriu e acrescentou:
- Como a própria Lisboa. Por alguma razão, recorda-me a nossa terra.
- O fado é uma música dedicada ao sofrimento e à dor. É por isso que te recorda a nossa terra.
- Suponho que tenhas razão."
Há mais para descobrirem sobre Lisboa, aos olhos dos palestinianos, aos olhos de Daniel Silva.
A agente com quem terá de trabalhar esconde-se por detrás da sua própria máscara de sedutora modelo. O alvo de ambos: um astuto terrorista numa última onde de matança, um palestiniano fanático de nome Tariq, que desempenhou um papel negro no passado de Gabriel. Aquilo que começa por ser uma caça ao homem torna-se um duelo que atravessa o globo e é alimentado pela intriga política e por intensas paixões pessoais. Num mundo onde o sigilo e a duplicidade são absolutas, a vingança é um luxo sem preço, e a maior das obras de arte.»
Apesar da desconfiança, só hoje confirmei que este autor tem descendência portuguesa, mais precisamente, açoreana. Mais umas sementes da genialidade portuguesa espalhadas pelo mundo fora ;) Este livro vem no seguimento de grandes sucessos como o Confessor ou a Mensageira, mas não na ordem em que foi escrito. Isto é, este livro tem no mínimo 8 anos, e foi escrito muito antes dos dois referidos e de outros livros já editados em Portugal. De modos que nos deparamos com uma ordem de acontecimentos que não faz qualquer sentido. Agora imaginem: este é o primeiro livro escrito da série de Allon, o livro que li a seguir foi o sétimo, e o livro que vou ler a seguir (saído hoje para as livrarias) é o número dois. Não podemos esquecer que entretanto temos quatro livros, com uma personagem cheia de história. No livro que li antes deste (A Mensageira) ele tinha uma mulher, e agora nem sequer a conhece. Acho que é o único contra que posso apontar, e que não é algo que esteja diretamente relacionado com o autor, mas sim com as editoras. Consigo ver que o Código Da Vinci, de Dan Brown, abriu muitas portas a outros livros do género (contriariadores da Igreja, instigadores do pensamento próprio), que estavam esquecidos nas prateleiras, o que acabou por ser o caso de O Confessor. Quando este finalmente viu a luz do dia em Portugal, o autor tornou-se conhecido o suficiente para tornar viável a edição dos seus outros livros. Só agora nos chegam livros escritos antes desse best-seller. É de dar voltas à cabeça.
Tanta coisa dita e nem sequer mencionei o tema central da série Allon, o conflito israelo-palestiniano. Não o pretendo fazer de forma crítica. Esta já é uma guerra que dura há muito tempo, e que muita gente nem sabe como ou quando começou. Pior, chegou ao ponto de quem faz a guerra, os próprios israelitas e palestinianos, não o saberem. Eu gosto do herói. Um pouco invulgar para heróis, mas talvez vulgar para espiões israelitas, não sei. Só sei que Daniel Silva nos transmite uma boa ideia de como será.
Aquilo que me ficou derrepente na cabeça foi a comparação que um palestiniano (não lhe vou chamar terrorista, mas é isso que ele é no livro) faz do Bairro Alto de Lisboa com Beirute nos velhos tempos.
"Um denso nevoeiro atlântico subia pelo rio Tejo à medida que Kemel ia avançando pelas ruas apinhadas do Bairro Alto. Fim de tarde, os trabalhadores a fluir para casa vindos dos empregos, os bares e os cafés a encherem-se, os Lisboetas a fazer fila aos balcões das cervejarias para jantar. Kemel (o palestiniano) atravessou uma pequena praça: velhos a beber vinho tinto no ar fresco da noite; varinas, as vendedeiras de peixe, a lavar percas do mar nos seus cestos grandes. Passou a custo por uma viela estreita cheia de vendedores de roupas baratas e bugigangas. Um mendigo cego pediu-lhe dinheiro. Kemel deixou-lhe cair uns quantos escudos (percebem quando digo que o livro é antigo?) na caiza de madeira preta à volta do pescoço. Uma cigana ofereceu-se para lhe ler a sina. Kemel recusou educadamente e continuou a andar. O Bairro Alto lembrava-lhe Beirute nos velhos tempos - Beirute e os campos de refugiados, pensou. Em comparação, Zurique parecia fria e estéril. Não era de admirar que Kemel gostasse tanto de Lisboa.
Entrou numa casa de fado apinhada e sentou-se. Um empregado colocou-lhe à frente uma garrafa verde de vinho da casa, juntamente com um copo. Acendeu um cigarro e serviu-se de um copo de vinho. Normal, nenhuma complexidade, mas surpreendentemente agradável.
Um momento depois, o mesmo empregado foi para a parte da frente da sala apertada e parou ao lado de um par de guitarristas. Quando os guitarristas tocaram com suavidade os primeiros acordes tristes da música, o empregado fechou os olhos e começou a cantar. Kemel não conseguia compreender as palavras, mas rapidamente deu por si a ser arrebatado pela melodia lancinante.
No meio da canção, um homem sentou-se ao lado de Kemel. Camisola de lã grossa, jaquetão manhoso, lenço apertado ao pescoço, barba por fazer. Parecia um trabalhador das docas vindo do cais. Inclinou-se para a frente e murmurou umas palavras a Kemel em português. Kemel encolheu os ombros.
- Receio que não fale a língua.
Voltou outra vez a atenção para o cantor. A música estava a chegar ao clímax emocional, mas, na tradição do fado, o cantor permaneceu direito como uma vareta, como se estivesse em sentido.
O trabalhador das docas tocou ao de leve no cotovelo de Kemel e falou-lhe em português uma segunda vez. Desta vez, Kemel limitou-se a abanar a cabeça e manteve os olhos no cantor.
Então, o trabalhador das docas inclinou-se para a frente e disse em árabe:
- Perguntei-te se gostavas ou não de fado.
Kemel voltou-se e olhou com atenção para o homem sentado ao seu lado.
Tariq disse:
- Vamos para um sítio qualquer mais sossegado onde possamos falar.
Caminharam do Bairro Alto até Alfama, um labirinto de vielas estreitas e degraus de pedra a serpentear por entre casas caiadas. (...)
Tariq disse:
- Não chegaste a responder à minha pergunta.
- E que pergunta foi essa?
- Gostas de fado?
- Suponho que seja algo de que se aprenda a gostar.
Sorriu e acrescentou:
- Como a própria Lisboa. Por alguma razão, recorda-me a nossa terra.
- O fado é uma música dedicada ao sofrimento e à dor. É por isso que te recorda a nossa terra.
- Suponho que tenhas razão."
Há mais para descobrirem sobre Lisboa, aos olhos dos palestinianos, aos olhos de Daniel Silva.
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